segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Relato Praias e Trilhas 84 kms

Frase do dia:
"A próxima fronteira não está somente à sua frente, ela está dentro de você."(Robert K. Cooper)

Esse relato poderia ter vários títulos, como: A epopéia das Praias, Pedras e Trilhas, Loucuras de um corredor; O campeão do Norte-Nordeste; A rapadura ganha do gel; Eu ganhei, ganhei de João Gabbardo, etc...

Na chegada deu pra sentir que a prova seria dificílima, pois só tinha corredor “fera”.

Duas maratonas em 2 dias consecutivos, seria o meu maior feito até agora.

Por duas vezes eu tinha feito 2 maratonas em um intervalo de 1 semana (Porto Alegre- São Paulo e Berlim-Gussing ), mas o problema é que eu não acreditei quando li o regulamento em que os corredores geralmente faziam o percurso em 1,5 a 2 vezes um tempo maior que em maratonas “normais”.
Paguei literalmente pra ver!!!


Dos amigos Marathon Maniacs estavam lá meu ídolo e ferrenho adversário João Gabbardo, Sabine, Amorim, Rodrigo-RJ e o “quase” Marathon Alberto Peixoto, que espera ansioso o número 2224. Rsrsrsrs

Na chegada ainda na sexta-feira, na areia da praia da Joaquina, fizemos uma pequena caminhada, tomamos um pouco de sol, acompanhado é claro de uma cervejinha leve pra não quebrar a tradição pré prova.

A noite se iniciou com um Congresso técnico e informações gerais da corrida apresentado pelo diretor Carlos.
Ali eu já comecei a ficar temeroso com minhas invencionices e no meio da palestra interrompi o professor Carlos com esta pergunta: “ Como é que a gente faz pra desistir???”


Depois uma conversa com alguns veteranos neste desafio segui a dica da Iraquiana radicada em São Paulo, Elizabeth -------- de levar um par de meias reserva.

Aqui uma foto do excelente jantar de massas promovido pela organização do evento:

Agora a ordem seria dormir cedo, descansar o máximo, pois o “ bicho desconhecido” iria pegar nos próximos dois dias.
Acordei às 4 horas da manhã e decidi correr com a camiseta da prova e usar os tênis de trilha. Enchi o camel bak e tive uma sensação que provavelmente as mulheres tem quando usam o primeiro sutiã.

Fomos de ônibus até o local da largada. Minha cabeça fervilhava. Será que eu consigo??? Vou ganhar mais uma de João Gabbardo???

Todos os participantes passam por uma checagem dos itens obrigatórios (apito, atadura, manta e reservatório de água) e 1ª pesagem, sendo que o atleta que perder mais de 5% do peso corporal no primeiro dia, terá que se recuperar a tempo de participar do 2° dia.

Peso OK(72 kg), itens obrigatórios idem, agora vamos posar para fotos:


Pela 1ª vez nestes 2 anos intensos de corridas me senti correndo pelo desconhecido.

Logo na 1ª trilha vi que tinha acertado em cheio na escolha dos tênis e errado feio em trazer os óculos de sol. Nos caminhos fechados e escuros da mata atlântica ainda preservada a atenção tinha que ser total e os olhos bem abertos, pois qualquer descuido poderia encerrar prematuramente a minha corrida.


Continuando rumo ao desconhecido eu trotava lento nas descidas e andava nas subidas.
Caieiro, Naufragado, Coquinho, Pântano do Sul, Armação, Porto das Pedras, são cenários de uma beleza exuberante. Quando cheguei na Praia do Campeche (nunca irei te esquecer) pensei em desistir.


A areia ali não era fofa e sim fofíssima. Os pés afundavam e o sol castigava no lombo até de mim acostumado com a força do astro rei.

Neste momento crucial conheci Eugênio Reis que estava na sua 2ª participação e me deu a maior força para continuar. Fomos andando devagar quase parando e quando faltavam uns 6 kms para o final, ele teve tonturas e dormência no braço e me dizia que não estava conseguinho fechar a mão.
O único “remédio” que eu tinha era minha inseparável rapadura, que prontamente o ofereci. Não sei se para me agradar, mas no final ele me falou que a rapadura tinha sido a sua salvação!!!


Quando avisto o pórtico de chegada já exausto, olho pra trás e nada de João. Nos últimos metros com um pouquinho de areia dura, finalmente corro e concluo chorando de emoção com 07 horas e 26 minutos.

O pior tempo da minha vida e com certeza a prova mais difícil que já fiz.

Terminado o 1º dia a receita agora era muita hidratação, massagem e esperar o Doutor Gabbardo que chegou 20 minutos depois.

Nada de brincadeiras, pois a corrida seria os tempos somados dos 2 dias e eu neste momento não tinha a certeza que iria participar no outro dia.

A noite os comentários dos corredores me animaram para o duelo final. Corredores experientes como Paulo Sobrinho (único que fez as 8 provas) e Maria das Graças-ES, 3 vezes comradista, que dizia que esta prova era mais difícil que a COMRADES.

Ainda tinha o fato das medalhas se completarem e no meio da noite, depois de muita conversa comigo mesmo, resolvo que vou tentar buscar a outra metade da medalha.
O problema maior era saber se a minha metade ainda boa levaria a outra metade já “destruída” pelo cansaço do dia anterior.


A torcida familiar e os telefonemas dos amigos ACORJIANOS me ajudaram muito e quando menos espero já estou novamente na linha de largada.


Como se diz aqui em Pernambuco, “ ou é calça de veludo ou bunda de fora”. E lá vou eu para o desconhecido novamente e logo no 1º km já enfrentamos essas dunas aí parecendo o deserto:


Depois Praia Mole, trilha em um morro muito alto com 4 kms, chegando no posto de hidratação na praia Barra da Lagoa. Dali até Moçambique tinha 12 kms de areia boa pra correr. Fui ultrapassado por João no finalzinho onde ele corria só de meias pela praia.

Antes de pegar uma nova trilha de mais 3 kms, parei e troquei de meias e vi nos pés feridos que a situação não estava muito boa.

Reverti a situação com o pensamento de como era sortudo de estar participando de tão difícil desafio. Estava ali “testando” meus limites e orgulhoso de como eu sou rico em SAÚDE.

E sortudo também por encontrar no posto de hidratação no Santinho (km 25) com o amigo MM Amorim e seu amigo, pacer e conhecedor de todas as pedras daquele difícil caminho – Raulino.
Nos momentos mais difíceis e perigosos da prova lá estava Raulino a nos dar dicas e nos incentivar a todo instante.
Quando ele disparava na frente saltitando por entre pedras e mato, Amorim dizia pra mim em sotaque “alentejo”; “Este Raulino parece que é filho de um bode!!!”. Também um excelente fotógrafo:



Neste momento crucial da prova vale uma dica aos organizadores de ter um maior apoio dos Bombeiros e caso chova em grande quantidade interditem o local, pois o risco de morte é iminente.
Se a minha Chris estivesse aqui e sabedora das minhas estrompices não me deixaria continuar.
Felizmente saímos do perigo e agora mais 6 kms de areia na Praia dos Ingleses. Mais triha, praia, asfalto (- de 1 km), novamente trilha e... Cadê Amorim e Raulino??? Nem deu tempo de agradecer pois eles dispararam na frente. Valeu amigos!!!


Fico os últimos kms na companhia do novo amigo Wilson de Brasília.
Último posto de hidratação no km 40 na Lagoinha e uma descida de assustar. Olho para o lado e vejo uma corda de uns 10 metros. Desço pela corda me arrastando e penso que não deverá ter mais surpresas no caminho.


Falta pouquinho. Mais praia, trihinha,pedras, praias e vejo o pórtico de chegada em Ponta das Canas.
Meu espírito chorão desaba novamente e cruzo todo sujo e ferido a linha de chegada com 7 horas e 19 minutos.


Espero meu ídolo chegar morto de cansado e grito bem alto: Eu ganhei(1 vez),ganhei(2 vezes) de João Gabbardo!!!!!

Fui o campeão do Norte-Nordeste- só tinha eu de participante.rsrsrsrs

Parabéns a toda a organização do Praias e Trilhas. Senti que cada um dos colaboradores trabalhou com muito amor. Essa foi e será sempre a receita do sucesso.
A partir de hoje depois deste meu maior desafio de 2 tempos, terá uma nova etapa de 3 tempos na minha vida: Presente-Passado-Futuro.

Quanto ao presente o fato é que eu estou todo dolorido e sem conseguir andar direito. Só não está doendo o músculo do cabelo. Os pés são um pequeno retrato das dificuldades que enfrentei:


Quanto ao passado tenho história pra contar para os meus filhos,netos,bisnetos...Essas histórias logicamente virarão Estórias que crescerão em emoção e dificuldades a cada ano.

Quanto ao futuro posso assegurar que só farei novamente esta prova lá pra... 2010!!!!

Aqui foto já com a medalha com Gabbardo, Sabine, Vinícius e Fernando com o Doutor pagando meu almoço e reconhecendo humildemente a derrota:



Para finalizar este longo relato vou parafrasear o ídolo de muitos corredores, Emil Zatopec:

“Quer correr, corra uma milha,
“Quer mudar de vida corra uma maratona,
Quer injetar mais emoção na sua vida, conclua um PRAIAS E TRILHAS.

15 comentários:

  1. Pelo seu relato e o de João fiquei pensando que este tipo de prova não quero pra mim, pode ser mais dificil do que a Comrades mas é outro estilo. Prova que o corredor corre risco real de vida, de acidentar-se é para se pensar.

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  2. Eu também passo. Prefiro fazer 4 maratonas de asfalto em quatro dias consecutivos, rsrs. (com certeza deve ser mais fácil)

    Parabéns!!

    E o grande dia está chegando... (que ano cheio de "grande dia"s, hehehe)

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  3. Eita Júlio, já vem tu botando idéia...A Comrades eu já abracei. Uma doidice por vez!!!
    Parabéns amigo!!! Tinha certeza que você conseguiria. O que te valeu foi o cuscuz com leite e CARNE de charque....Num foi essa "munganga" de não comer carne vermelha rsrsrs.
    Essa sensação de superação é realmente fantástica!!! Estou muito feliz por você!!!É essa busca pela superação que identifica e une os irmãos acorjianos. Um abração. nhac nhac

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  4. Faltou relatar que o Gabbardo e eu ganhamos em segundo lugar nas respectivas categorias...
    Abraços
    AP

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  5. Grande Júlio, parabéns pela forma com vc. tem vivido a vida, vc. não terá história para contar somente para seus netos não, sua histórias se perpetuarão para todas as gerações que vierem posteriormente. Abraço.

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  6. Pense num bando de malucos !!!!! Mas parabéns pela garra e pela determinação, chegou a lembrar a garra leonina... Valeu mano velho!!!!!!!!!!!

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  7. Bem lembrado Alberto. Corremos com o regulamento embaixo do braço, fomos para o podium e levamos o troféu de 2º lugar na categoria. Que lugar o Júlio ficou? Gabbardo

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  8. Poxa Júlião, que comentário da gota, chega chorei. Ano que vem, com certeza, você não será o único pernambucano em Praias e Trilhas.

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  9. Afe!! Só de ler teu relato cansei... É muita coragem meu irmão!
    Valeu sua garra em encarar duas maratonas, em percurso tão difícil, em dois dias... mas Mamãe tava preocupada, visse?
    Beijão da irmã.

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  10. Começou um dia desses a correr e hoje é um detonador de provas difíceis!!!Parabéns pela raça e determinação!!Pelo jeito, o limite ainda está muito longe...!!Vida longa para esse seu espírito desafiador e fibra de Tabirense!!Abs!!!P. Sobral.

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  11. Cara! Parabéns. Essa também tá na minha lista. Um dia vou fazer. Quem sabe, já magro, em 2010, com você no papel de Raulino, dando as dicas. Abraço. Miguel Delgado.

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  12. Foi o relato mais emocionante deste blog. Ufa! Parabéns! Cheiro

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  13. Grande Júlio! Enfrentamos com estilo e sangue nos olhos (e debaixo das unhas, rs).

    E nos vemos nos próximos perrengues!

    Abração

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  14. Affff, depois que vi o retrato dos seus pés... acho que eu passo! Não quero chegar a fazer esta prova, não! Rsrsrs. Parabéns pela conclusão de tão difícil prova!
    Doendo músculo do cabelo é boa, hein? Rsrsrsrs.

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  15. Rapaz! Essa prova me dá medo, muito medo!! Mas seu pé me deu mais medo ainda!! Parabéns!!

    Nishi

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